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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Daqui e de lá

As conversas com as crianças despertam muitas reflexões. Arthur, meu caçula, tem questionamentos, sutis e inesperados, as vezes com outras nuances. Um dia ele me ouviu falar de um modo que chamou sua atenção. Eu moro aqui e um bocado de coisas de lá vivem comigo. E quando vou lá, vejo muita coisa daqui também palpitando em meu ser. Meu menino, que já foi ao sertão três vezes comigo e que aprecia muito a viagem e a liberdade de brincar na roça, no terreiro, do banho de açude, de comer poeira em cima do caminhão ao lado de bodes e gente, pela estrada que liga o sítio a cidade, ou melhor a rua, como chamamos lá...enfim ele ficou intrigado com minha resposta e disse com seu olhar vivo cintilante:

“mãe como assim você e de lá e daqui?” Como responder essa pergunta inquietante ao menino de 7 anos. Pela teia do brincar e das memórias dele que se misturam com as minhas. Então eu disse: Arthur, mamãe veio do sertão com 14 anos e sempre que posso vou visitar. Fui com a Bruna, Isa e com você, algumas vezes, para conhecerem as minhas raízes que também são suas.” Ele interrompe com seu ar brincalhão:

“Ué mãe eu sou árvore agora para ter raiz? “Sim, somos como as árvores também filho. Aliás, lembro de muitas delas, das sombras frescas que suavizam o calor de lá. Respirei e tentei seguir da forma mais clara que pude, é que as vezes embarga a voz de saudade:

Filho, eu sou sim do sertão de céu vasto e azul. E também sou daqui, porque aprendi a amar um outro tipo de grandeza que tem por aqui, como também digo que sou do mar que toca meus sentidos. Sabe quando eu tô fazendo sopa no frio? E misturo muitos ingredientes? Então é assim também o sentir do meu coração. Ser daqui, de lá e acolá, faz parte do meu roteiro. Eu não sei se ele entendeu, sua resposta antes de sair correndo para jogar bola dá uma pista de que sim:

“Mãe ano que vem quero ir lá ver o meu bode santista.” Eu disse: tá vendo, seu bode é pernambucano e santista ao mesmo tempo. Sim, ele ganhou há 2 anos atrás um filhote branco com manchas pretas, que a essa altura já deve está grande. E ainda lembra dele e quer ir lá visitar sua cria, que ganhou do bisavô.

Arthur no terreiro da casa de Tia Maria

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