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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Entarceder saudade

Desde pequena tenho encanto pelo entardecer. A despedida do dia, as sombras do cair da noite, aquela sensação de saudade do que foi e uma esperança do que virá na próxima alvorada. Os sinos tocavam na hora da Ave Maria, o silêncio noturno da oração e o convite ao recolhimento do sono e sonhos. Eu espiava demoradamente o céu estrelado do sertão para escolher a estrela sorriso mais brilhante e rezava. Dessas imaginações de menina ou, como alguns dizem, dessas loucuras que tive e tenho.

O “arrebol” cantado, contemplado e até os que se escondem em dias cinzas aqui em São Paulo, é um chamado para uma pausa. Hoje acordei recordando dias em que tive o privilégio de contemplar o entardecer no mar, um canto sagrado. Sentada com os pés na areia, ouvindo o canto das ondas e as cores alaranjadas tingindo o oceano. Um dos momentos de conexão que traz uma leveza que flutua pelos sentidos, sempre.

As paisagens que atravessam anos com a beleza da lembrança sensorial trazem esse aroma do presente. É como uma malha do tempo que segue viva, ainda que ganhe novos significados, já que somos transformados a cada estação. A menina do sertão, onde o poente, pela localização geográfica costuma acontecer na mesma hora, continua vislumbrada pelo pôr do sol nos lugares onde estiver e nos que estarão no horizonte.

E qual a magia do crepúsculo? Tenho a sorte de conhecer muitos laços que apreciam o entardecer e sou presenteada muitos dias com fotos de cidades, do sertão e do mar: “lembrei de você ao olhar o céu” ou “essa paisagem é sua cara” ou ainda “você está aqui comigo.” É mesmo refinado aquilo que nos conecta, afinal, numa imagem reside a luminosidade do Sol afeto, esse que é capaz de tornar mágico nossos dias. Essa é a magia do sentir.

Gratidão por tantos “arrebóis” em Ubatuba, São Sebastião, Guarujá, Rio de Janeiro, Plymouth, sertão de Pernambuco, Osasco, Cotia e outras cidades. Estou sempre acompanhada no ocaso. Que eu tenha a dádiva de seguir tatuando o entardecer em meu livro-coração.

São Sebastião - dezembro 2022
casa - setembro 2023
Minha neta, no pôr do sol do Hemisfério Norte
Sertão de Pernambuco, casa dos meus avós.

Sertão 2024

Cheguei em São Paulo quando eu tinha 14 anos. Lembro até hoje do frio que senti e do espanto com o céu todo branco acinzentado. Demorei muit...