Cheguei em São Paulo quando eu tinha 14 anos. Lembro até hoje do frio que senti e do espanto com o céu todo branco acinzentado. Demorei muito para visitar Pernambuco por falta de recursos. Meu avô paterno faleceu e até hoje recordo da dor rasgando meu peito com a notícia. Somente nos últimos 12 anos eu tenho conseguido ir com maior frequência e por conta do trabalho sempre vou, nas palavras de minha avó: “ligeira como relâmpago.” Dessa vez foi diferente, consegui ficar duas semanas.
Primeiro fui para Araripina, terra onde nasci. Na casa de
meu pai que reside em Lagoa do Barro, palco de minha infância. Eu morei também
em Trindade e alguns meses em Recife, mas foi nesse distrito que cresci e morei
mais tempo. A igreja, a escola, a praça, as ruas, as roças, o açude, o riso, as
delícias na mesa, os abraços e as memórias. Visitei minhas tias, primos e
primas, e nem deu para ver todos, eita família grande.
De lá segui para Parnamirim e Serrita, terra da minha
família materna. Minha vozinha está prestes a completar 99 anos. Que bênção
escutar suas histórias, presenciar sua reza e seu amor exalando no respirar do
seu cotidiano. A paz de sentar-se ao seu lado, observar sua oração fervorosa,
ouvir sua voz e sentir seu cheiro. Trouxe na bagagem a força de sua presença.
Dessa vez tive a coragem de visitar o túmulo do meu Vozinho.
O cemitério na caatinga, com a capela ao lado e a árvore na frente, com sombra
generosa. Ao lado da sua cruz, coloquei flores amarelas que colhi fresca,
acendi três velas e joguei a água benta que a vozinha pediu. Uma borboleta
amarela bailava enquanto eu ia respingando a água sobre o chão do sertão. Ele
está em Paz e segue iluminando meus passos com sua ternura.
Cactos, mandacaru, xique-xique, palma e as tantas plantas e
árvores da caatinga descritas pelo meu tio Neto durante a trilha nas veredas.
Que sertanejo! Os pássaros, os ninhos, as pedras pequenas, médias e grandes, a
areia da estrada, os bichos, o açude, a serra e o cenário da terra dos meus
ancestrais revelando a riqueza desse bioma ímpar.
O fogão a lenha, o cuscuz com feijão verde, a carne de bode
torrada e assada na brasa, o baião de dois com nata, o bolo de caco, de milho,
liso e fofo. A rapadura, os sucos naturais da tia, o umbu, o doce de leite, o
chá noturno de erva doce com cana, a sopa, o pirão do tio Chico, a cajuína e a
variedade de chás que eu trouxe da farmácia da feira. E ainda encontrei o rosário de
catolé com coquinhos deliciosos.
Quanta partilha na viagem de férias pelo sertão. Quantas memórias cultivadas nas prosas do alpendre e cozinha. A luminosidade do amanhecer, o encantamento do entardecer e as estrelas cintilantes na noite de Lua Nova e Crescente. Dois ciclos lunares, duas semanas e muita vida. Na estrada da saudade eu sigo. Amo o lugar que moro. Nessa região metropolitana paulista que vivo carrego a fortaleza de Ser Sertão.