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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O chá da memória saudade

Na casa de vozinha tem sempre chá. De folha de cana, camomila, erva cidreira, erva doce, hortelã, macela, alecrim, noz moscada e outras ervas de plantas e casca de pau de árvores do sertão. Tem sempre um chá para diferentes desconfortos e dores. O que acalma, que melhora a barriga e cólica, cura infecção e por aí vai. Quando vou lá sempre tomo o perfumado chá noturno e tenho um sono profundo depois de contemplar o céu estrelado que segue brilhante em meus sonhos.

Em casa também faço chá. Ontem à noite o cheiro de chá na cozinha chamou a atenção do Arthur: “mãe o que é esse cheiro bom?” Eu respondi: é o chá das avós. Ele diz: “é o chá das folhinhas que você pegou lá no jardim? Sim filho. No meu jardim tem erva cidreira e hortelã. No meu quintal tem alecrim. E sempre que que faço chá a presença das minhas avós está no aroma saudade. É memória viva.


o aroma do chá das memórias afetivas

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

As orações de vozinha

Minha vozinha reza por todos os seus. Todos os dias. Pelos filhos, netos, bisnetos (as) e sua tataraneta. Para quem lhe pedir oração. É o terço. É a missa. É sua reza singular. Ao lado do altar tem sempre um ramo de plantas junto aos seus santos. 

Ela reza com as nossas fotos ou alguma coisa nossa. Um par de meia deixada pelo meu irmão em sua última visita, está com ela no momento em que ela reza por ele. Ele diz que as rezas dela já o abençoaram muito. E bem sabemos disso. O Paulo me disse que alguém precisa seguir as rezas de vozinha quando ela não estiver mais aqui. Eu digo que elas continuarão conosco por longas gerações, sem fronteiras no tempo. De tão sinceras, fortes e iluminadas por seu grandioso amor, elas têm essa atmosfera de eternidade. 


Com o bisneto Arthur, recebendo o carinho na hora do Sol matinal-Dez/2019

Eles sempre estiveram lá e eu sempre observo com devoção esse canto da casa

domingo, 19 de janeiro de 2020

O café, o pão e as memórias

O café da minha mãe é o melhor do mundo. É doce em muitos sentidos. Antes de sair para trabalhar, muito cedo, já sentia o cheiro do seu café, muitas vezes, ela cantava no pé do fogão. Se tem uma coisa que marca minha mãe é sua cantoria. Ela sempre gostou de cantar. Uma sintonia com sua risada, marca da Dona Fátima.

Morávamos numa casa bem pequena. Ela saia cedo para trabalhar e deixava pão para assar e bolachas para os 5 filhos. Quando voltava a tarde do expediente, ela já passava na padaria e trazia o pão quentinho. Sim, na casa de mãe, tínhamos dois cafés, o da manhã e o da tarde. Ponto de encontro na mesa da cozinha. Algumas vezes tínhamos companhia. Crescemos assim, com esse gosto por café e pão. Quando ela dobrava a esquina já sentíamos o cheiro do pão de sua presença. Que alegria quando mãe chegava com o pão quentinho, daqueles que quando passamos a manteiga derrete.

Eu continuo molhando o pão no café e as vezes no café com leite. No domingo quando estou em casa eu faço os dois cafés. Perto da hora do crepúsculo eu sento na janela, na companhia do meu marido que foi buscar o pão e saboreio o momento café da memória. Sempre lembro do café da tarde de mãe nessa hora. Meu marido termina rápido e eu fico sentada sozinha na cozinha, olhando a janela e sentindo o vento das lembranças vivas que afloram lágrimas e sorrisos. Hoje eu estive com ela e, claro, tomei seu café, o melhor do universo, um dos sabores melhores da minha vida. Eu seguirei amando o café, pão e presença generosa de minha sensacional mãe.



quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Das saudades que sentimos

Tem pessoas que já moraram em diferentes cidades. Uns mudaram mais, outros menos. Com bagagens e saudades diferentes, a história de cada um vai sendo moldada pelos cenários, personagens e vivências distintas. Recentemente passei por Juazeiro do Norte e em uma das corridas de Uber, a conversa breve com o motorista aflorou a reflexão sobre as saudades que sentimos dos lugares. Ele, morando na cidade há 6 meses por conta de uma transferência, disse: “logo volto para São Paulo. Sinto falta da chuva. Aqui não chove. Tenho que ficar aqui mais 6 meses”

Sua voz exalava uma saudade dolorida de sentir o cheiro do chão molhado, daquele som dos pingos no telhado ou do vento soprando umidade na janela. Imagino que sua saudade vai muito além da chuva e ao me despedir desejei de todo coração que o tempo corra rápido nesses 6 meses. Ele parecia angustiado com o calor. Eu sorri na porta do hotel, vendo o carro sumir pela rua, lembrando do livro Redemoinho em Dia Quente de Jarid Arraes, uma das minhas melhores leituras de 2019. Sim os dias fervem no sertão do Cariri. E a fervura desperta angústia. No caso do personagem que cito aqui, ferve um caldo de saudade em seus poros e memórias.

Entrei no hotel buscando o frescor do ar condicionado do quarto e pensando na conversa recordei de como minha filha ama o som da chuva. Já no banho, pude sentir os pingos de lágrimas, dela e de casa, misturando com as águas do chuveiro. Quando cheguei, na última segunda a noite aqui em São Paulo, descendo no aeroporto de Congonhas, senti tanto acolhimento por chegar nessa cidade que amo. Os lugares que amamos habitam em nosso ser, onde quer que nossos passos andem.

Uma das ruas que passei em Juazeiro do Norte

Sertão 2024

Cheguei em São Paulo quando eu tinha 14 anos. Lembro até hoje do frio que senti e do espanto com o céu todo branco acinzentado. Demorei muit...