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A Maria

Eu sou a menina Maria
Ontem eu escrevi um texto inspirado na foto de casamento dos meus pais para a página de 100 anos de Lagoa do Barro. Descrevi sobre os filhos dessa união. E minha amiga disse: “falou dos seus irmãos e faltou você. Você está ali presente, eu sei, mas escreve sobre a primogênita do casal”. Nossa que desafio! É difícil falar de si. Lembrei então de uma foto que tenho de quando era pequena. E como uma cachoeira vieram tantas lembranças da minha infância no sertão. Muitas pessoas admiram a memória que eu e meu irmão Paulo temos dos tempos vividos ali. Carrego nos meus sentidos muito do que senti e sinto. É coisa viva, que arde, vibra, me faz rir e chorar. E pensei nas cruzes do caminho que liga a vila à pista. Eu tenho também muitas cruzes, são como cicatrizes das experiências da jornada. São marcas que outrora já foram doloridas e que aprendi a ressignificar e hoje sou capaz de encarar com outra percepção. Eu nasci muito pequena, até disseram a minha mãe que eu não ia me criar, dizem que eu cabia em uma caixa de sapato. Pequena me criei e cresci, não em estatura, mas em fortaleza. Sim, hoje me enxergo forte mesmo dentro da minha fragilidade. Aquela coragem que vislumbrava no olhar dos meus avós sertanejos palpita em minhas veias. As minhas brincadeiras de infância moram em minha imaginação, as muitas formas das nuvens do céu que ainda hoje brinco contemplando junto com meus filhos, os mergulhos no açude sentindo a água e os raios do sol, o cheiro e gosto do milho assado, o doce de leite de minhas avós, a  sombra da árvore da escola São João Batista que eu gostava de sentar no recreio. São muitas memórias, não dá para relatar todas. Apenas vou encerrar com duas imagens que revivo em meu sono e me faz acordar com uma doce leveza. A primeira é da roça, perto da casa de tia Lia, eu gostava de descer na trilha por entre as bananeiras, chegar à margem do açude, sentar perto da canoa e sentir o vento e o canto das marés. Fiz isso muitas vezes. A segunda imagem, é o banco da igreja que sempre gostei de sentar, do lado esquerdo de quem entra e de como nas novenas, na hora da Ave Maria, meus olhos lacrimejavam ao contemplar Nossa Senhora e sentir sua presença de Mãe.
Quem eu sou? Como diz meu marido, sou a doida que conversa com as ondas, plantas e que fala sozinha. E isso é um elogio. Como diz Ariano Suassuna, eu tenho sintonia com pessoas loucas. São tão divertidas. Para finalizar, por mais que meus cabelos brancos teimem em surgir cada vez mais, eu continuo sendo essa menina pequena e vibrante, que acredita na poesia da vida e tem fé nos sonhos que movem os passos da minha estrada. Eu sou Maria Ivone Neto Cordeiro, pernambucana de Lagoa do Barro, Araripina, filha de Joãozinho de Cotinha e Chico Cordeiro e de Fátima do Sr. Enoque e Dona Joaninha. Sou única e múltipla como essa trança de gente que habita em meu ser.





Texto escrito dia 06/06/2019

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