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quarta-feira, 5 de maio de 2021

O riso e o choro na corrida

03/05/2021, cheguei ao dentista às 15:40 da segunda-feira de outono. A primeira consulta da Isa, depois a minha. Às 16:40 Isa foi ao encontro do pai. Eu fiquei. Depois de 1:35 minutos com a boca escancarada o procedimento foi concluído (mesmo com a anestesia você sente incômodo, quem já fez canal sabe bem do que estou falando). E ainda terei outras etapas. Depois de agendar a próxima consulta e da despedida chamei o Uber que naquela hora ficou um preço mais salgado que o normal, mas eu precisava de casa, estava perto da hora dos remédios e o banho, a cama e o sono estavam no meu horizonte de sonhos naquele instante. Depois de longos 10 minutos o carro chegou.

O motorista atencioso nas confirmações do nome e destino e logo ingressou na conversa. Perguntou como eu estava, expliquei sobre o canal e o outro dente que latejava e disse que dor de dente é daquelas que nos faz endoidar e etcs. Ele sorriu do meu jeito de falar e ao mesmo tempo sua voz embargou ao responder:  ”obrigado por me fazer rir. Eu acabei de chorar muito.” Eu senti aquele nó na garganta ao ouvir o relato da cena e sua ação, que vou tentar resumir a seguir:

Ele é funcionário público e complementa sua renda fazendo Uber para junto com sua esposa conseguir pagar as contas, principalmente, o investimento na educação dos três filhos. Depois de encerrar seu expediente de trabalho e as vezes antes de iniciar ele faz o aplicativo.  Ao terminar uma de suas corridas depois do expediente, ele viu um pai recolhendo do lixo alimento para dar a sua família, mulher e dois filhos que estavam na lona improvisada embaixo do viaduto. Ele parou o carro, ficou observando a cena e viu o pai dando um pacote com resto de batata do MC para uma das crianças. Ele saiu do veículo foi até o local e conversou com eles, foi comprar alimentos com o dinheiro que tinha das corridas que fez nas últimas horas e, conforme ele disse: “não tem como descrever o olhar de gratidão daquela família, como não tem como não ficar arrasado em saber que tantas outras estão na mesma situação.” Ele disse que tinha entrado no veículo e voltou a dirigir aos prantos e quando conseguiu se acalmar aceitou a minha corrida.

Lágrimas quentes escorreram salgadas e nosso choro foi seguido de um silêncio comunhão. Voltamos a conversar já pelo meio da corrida e gargalhamos mais umas vezes ao falar das nossas próprias mazelas. Ao chegar ao meu destino, ele me parabenizou pelo humor e disse: “desculpe, você deve tá com uma dor danada e eu fazendo você chorar.” Eu respondi: Imagina, eu te agradeço tanto por essa partilha. Muito obrigada e lembre-se que o riso é um ato de resistência. E também um bálsamo para nossas dores.

A anestesia estava passando, a dor aumentando, tinha estrelas no céu e uma lua minguante enigmática. Senti um abraço do céu anestesiando minha alma com ternura.


Eu escolhi a foto do meu irmão Paulo para ilustrar essa postagem, porque ele é um desses personagens do riso da minha vida e que também tem um coração gigante. Esse texto está no meu Blog de memórias porque essa corrida ficou gravada no meu livro-coração.

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