Na praça de Lagoa do Barro tinha uma central telefônica. O único lugar do Distrito que tinha telefone. Lembro das pessoas na calçada esperando a ligação. Tinha gente que marcava hora. Já em Osasco, eu lembro que ia no antigo prédio da Telesp para ligar, sempre aos domingos e nem sempre, quando tinha dinheiro para comprar as fichas que iam caindo enquanto as palavras eram ditas e ouvidas. As vezes acabava a última ficha sem ter tempo para dizer tchau ou benção. E eu dizia mesmo sabendo que a ligação já tinha caído.
Uma das minhas memórias preciosas, que segue ecoando em meu coração, é o som da gargalhada de padrinho Chico Cordeiro em nossa última ligação. Eu tinha mandado uma carta com foto da Bruna para ele conhecer a bisneta. Depois da bênção padrinho, Deus te abençoe. Perguntei da madrinha, mandei lembranças para tios e tias e ele disse: “recebi foto de Bruna”. Eu perguntei: e que tal padrinho, bonita né? Ele risonho respondeu: “Linda igual o bisavô, galega dos olhos de gato”. E juntos caímos na risada.
Ele morreu ligeiro demais, não o vi mais desde que migrei do sertão. A viagem era muito cara. Lembro do dia, já com telefone em casa, que recebi a notícia de seu falecimento no hospital de Recife. E eu senti um vazio daqueles que não se explica. E mergulhei naquele silêncio de dias sem fim. Descia a rua cedo para pegar o ônibus e ir trabalhar em São Paulo e minhas lágrimas aqueciam minha face. Parecia que ouvia sua voz me chamando de “preta” brincando por eu ter puxado a brancura de minha avó. Meu avô era desses que colocava apelido em todo mundo. Com o tempo aprendi que ele continuava vivo, naquele rico humor e graça que observo na sua geração. Ele já me visitou no sonho, por duas vezes, quando eu mais precisei de seu amparo e acordei com o afago do seu abraço.
Memórias da minha trança de gente, do que palpita em meu livro-coração, da proximidade sagrada que me conecta aos personagens da Estrada que sou
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